quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

my words

Os bancos vermelhos.

Por que será que esses bancos são vermelhos? Queria que fossem verdes, da cor do banheiro da mamãe. Eu gosto do banheiro da mamãe, ele é friozinho quando ta quente e quentinho no inverno, e tem um cheirinho bom, sempre. Garanto que se minha mãe fosse dona desses bancos eles seriam verdes, um verdinho bem claro.
Além do mais, eles não combinam com as minhas meias. Eu uso as meias até os joelhos, acho que é “três quartos” que chamam isso. Mas não importa, o que importa é que elas não combinam com os bancos do trem e isso é um problemão pra mim porque quando o banco acaba começa meu joelho, ai vem a meia que vai até os meus pés. Ainda sou muito novinha então meus pés não encostam no chão e ficam balançando o tempo todo, por isso é que minhas meias são importantes, porque quem é que vai olhar para os meus sapatos se eu não paro de balançá-los o tempo todo? Então me resta usar meias bonitinhas. Mas a maior parte de minhas meias não combinam com os bancos vermelhos. Por isso é um problema, mas só pra mim e só até eu ficar grande.
Será que se eu pedir pra alguém, alguém bem adulto que trabalhe com pintura de bancos de trem, eles pintam um banquinho pra mim? Ah, isso iria ajudar bastante. Na minha idade essas pequenas coisas querem dizer muito. Uma vez eu derrubei iogurte na minha saia no recreio. Quando eu andava parecia que todos olhavam direto pra minha mancha, até que eu cheguei em casa e mostrei pra minha mãe e contei que tava todo mundo olhando pra aquilo. Mas mamãe disse que quase não dava pra ver, que só viu onde era porque eu mostrei pra ela. E ainda me explicou que eu tava preocupada porque eu sabia da mancha, mas que ninguém mais sabia e que, portanto, não deveria me preocupar. Minha mãe é muito inteligente, ela sabe de tudo, sempre! Talvez quando eu for como a mamãe todos os bancos de trem do mundo combinem com minhas roupas. Minha mãe é tão linda. É o que meu pai vive dizendo a ela, sempre diz que ela ta bonita, mesmo quando não ta tanto assim.
Acho que meu pai adora elogiar as pessoas sabe? Ele sempre diz que eu pareço um anjinho, mas eu sei bem que anjinhos têm cabelos lourinhos encaracolados e olhos bem azuis, e eu não tenho nada disso. Meu pai está sentado no meu lado, na janela, ele deve gostar da cor dos bancos. Sei lá, ele nunca elogiou nem nada, mas ele me parece tão quietinho e feliz quando viajamos de trem. Fica olhando para fora o tempo todo, às vezes me levanta pra mostrar alguma coisa que acha que eu vou gostar de ver. Aviões! Eu adoro aviões, meu pai sempre me mostra eles.
De que cor será que são os bancos dos aviões? Não quero que sejam vermelhos, porque mamãe sempre diz que um dia, no natal, nós vamos viajar de avião e eu não quero ter de comprar minhas meias, tudo de novo. É eu sei, é bom ter roupa nova, mas eu gosto das minhas, porque são só minhas e de mais ninguém. Vou usá-las pra sempre, as meias, porque me disseram que o pé da gente não cresce mais depois de criança.
Não tem muita criança aqui. A maioria das pessoas são adultos com roupas de adultos, são todos sérios. Será que eles estão bravos com alguma coisa? Acho que é porque eles não estão no trem com suas crianças, seus filhos. Meu pai sempre diz que fica mais alegre quando eu estou com ele. É, deve ser isso sim.
Já faz um tempão que estamos aqui, perguntei pro papai se já estávamos chegando ele disse que sim. Estamos indo ver a vovó. Ela aperta minhas bochechas, sempre! Eu não gosto quando apertam minhas bochechas, ou meu nariz. Só porque sou pequenininha acham que eu sou uma boneca ou coisa parecida. Mas a vovó é bem legal, me deixa comer sorvete sempre que quiser. Pode ser de manhã, no café, quando ta frio, quando ta quente, até antes da janta. Minha mãe fica louca com isso e sempre diz -“pai!” na hora que ela me vê comendo doce antes da janta. Coitadinho do vovô, não sei por que ela desconta nele se é minha avó quem me dá o sorvete. Acho que deve ser o vovô quem compra o sorvete, só pode.
Meu avô era marinheiro, ele adora contar histórias de barco e coisas assim. Uma vez ele foi pra fora do barco, como chama aquilo...ah convés, foi no convés procurar um amigo dele, mas não achou ninguém. Quando viu ele estava na água, ai o vovô pulou lá pra pegar ele, puxou ele pra de volta do barco. Era o melhor amigo de vovô. O que eu nunca entendi era por que ele estava na água, e por que meu avô teve de ir buscá-lo, os marinheiros todos não sabem nadar? Mas nunca quis perguntar isso pro vovô, é que eu adoro ouvir as histórias dele e tenho medo que se eu atrapalhar ele vá esquecer o que estava dizendo, afinal ele já está velhinho e as pessoas velhas são um pouco esquecidas sabe?
Estou no colo do papai agora. Ele me pôs no colo pra um velhinho, que não é o meu avô, poder sentar. Posso ver as coisas lá fora agora. Meu pai é bem forte, deve ser a pessoa mais forte do mundo, ele me levanta sem o menor esforço, mamãe parece que vai ter um treco quando tem de me levantar pra me botar numa cadeira ou coisa parecida. E olha que eu sou bem magrinha, me cuido. Mamãe diz que é bom a gente se cuidar por isso sempre como cenouras ou tomates no almoço, faz bem pra saúde. Acho que aquele moço ali espirrando não come tomate, muito menos cenoura, parece tão fraquinho, aposto que não consegue me levantar e isso que eu como cenoura. Não gosto de tomates vermelhos, só gosto quando eles estão bem verdinhos.
Verde. Briguei com um colega essa semana por causa do verde. Sabe ele é bem chato, senta atrás de mim e prende meu cabelo com a cadeira às vezes. Nós tínhamos que desenhar um parque. Eu desenhei o parque que mais gosto, que é bem perto da casa do meu avô, aquele que era marinheiro. Acho que desenho muito bem, se não desenhasse acho que a prô não ia pôr estrelinhas no meu trabalho. Mas mesmo eu desenhando muito bem e a prô botando estrelinhas no meu trabalho o chato do meu colega ficou dizendo que tava todo errado, que pintei a grama da cor errada. Olha, eu sei bem como é uma grama, sempre brinco nela com a mamãe. Mas deixa assim, ele é um chato mesmo. Mas eu gosto mesmo de tomates verdinhos, da mesma cor daquele extintor ali.
Acho que chegamos, to com fome.