segunda-feira, 26 de outubro de 2009

my words

Duas de creme.

Ele se levanta e está indo até a sala do seu chefe. Isso quer dizer atravessar todo o escritório, evitar encontros bestas e conversas frívolas com colegas beges de trabalho. Já fica imaginando: sim, meu time perdeu ontem e o seu empatou; não, a chuva vem só amanhã, eu sei, vai estragar o final de semana. Esse mau humor todo ninguém percebe, já que sempre soube disfarçar e nunca teve problemas para armar, rapidamente, um grande sorriso amarelo de lado a lado.
Ao entrar na sala, seu chefe finge estar feliz em vê-lo e ele finge que acredita, de novo o sorriso amarelo. Bom, o motivo pra ele levantar, atravessar o escritório é porque ele precisa sair mais cedo hoje.
– Eu preciso sair mais cedo hoje.
Absolutamente todos os chefes, apesar de nem todos expressarem, pensam de imediato: como assim?! Mas sempre querem passar a impressão de chefe amigo.
– Por que, aconteceu alguma coisa?
Ele pensa em inúmeras respostas, como: me pagam menos do que mereço e quero ir embora; vai passar um desenho animado que eu gosto desde pequeno e nunca posso ver; Homer Simpson vem pra jantar e preciso comprar rosquinhas. Melhor falar a verdade.
– É a minha mulher.
O chefe não lembra dela.
– Aconteceu alguma coisa?
Essa resposta poderia ser longa, mas para poupar um pouco do sofrimento melhor ser sucinto.
– Ainda não aconteceu, mas acho que pode acontecer.
Ele se espantou, não pela gravidade do tom de voz, mas porque lembrou que ela é realmente muito bonita e seria um desperdício.
– Ela não está bem?
De novo, ele finge se preocupar e ele finge acreditar.
– Não, não está, as coisas vão mau há tempo e acho que dessa noite não passa.
A velha misericórdia das pessoas beges.
– Sinto muito, pode ir, tome o tempo que precisar e qualquer coisa pode me ligar.
A resposta que ele realmente estava pensando era: putz, agora porque pode vir a perder a esposa pode ficar um mês fora, afinal tem toda aquela besteira de psicólogo de trauma e tudo mais.
– Obrigado, até mais.
Dirigiu até sua casa, diferentemente do seu costume de deixar o carro na lateral em direção a garagem, estacionou do outro lado da rua. Desceu e entrou pela porta da frente. Parou em frente a escada e a viu descendo, de roupão e com a toalha amarrada na cabeça. Linda e com a saúde perfeita. Ela para em frente a ele, que a olha por alguns segundos, tira um revólver e lhe dá um tiro. Se aproxima, tranquilamente, do corpo pra ter certeza que não há pulso ou respiração. Põe a arma na geladeira, sai de casa, tranca a porta e vai tomar um sorvete.
A verdade é que ela o tratava como um lixo e passava as tardes fazendo sexo com vizinhos, ex-colegas e simpatizantes, em cima das gravatas dele na cama em que eles dormiam. Uma bola de chocolate, duas de creme e cauda de morango.

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